quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Nascimento de uma mulher.


A véspera do nascimento de Vênus fora um dia violento. O firmamento, tingindo-se subitamente de um vermelho vítreo, enchera de espanto toda a Criação. Saturno, munido de sua foice, enfrentara o próprio pai, o Céu, num embate cruel pelo poder do Universo. Com um golpe certeiro, o jovem deus arrancara fora a genitália do pai, tornando-se o novo soberano do mundo. Um urro colossal varrera os céus, como o estrondo tremendo de um infinito trovão, quando o Céu fora atingido.
          O fecundo órgão do deus deposto, caindo do alto, mergulhara nas águas profundas, próximo à ilha de Chipre. Assim, o Céu, depois de haver fecundado incessantemente a TERRA — dando origem à estirpe dos DEUSES olímpicos -, fecundava agora, ainda que de maneira excêntrica e inesperada, o próprio Mar.
          Durante toda a noite o mar revolveu-se violentamente. A espuma do mar, unida ao sangue do deus caído, subia ao alto em grandes ondas, como se lançasse ao vento os seus leves e espumosos véus. Mas quando a Noite recolheu finalmente o seu grande manto estrelado, dando lugar à Aurora, que já tingia o firmamento com seus dedos cor-de-rosa, percebeu-se que as águas daquele mar pareciam agora outras, completamente diferentes.
          O borbulhar imenso das ondas anunciava que algo estava prestes a surgir.
          Das margens da ilha de Chipre, algumas ninfas, reunidas, apontavam, temerosas, para um trecho agitado do mar:
          — O mar está prestes a parir algo! — disse uma delas.
          — Será algum monstro pavoroso? — disse outra, temerosa.
         Mas nem bem o sol lançara sobre a pátina azulada do mar os seus primeiros raios, viu-se a espuma, que parecia subir das profundezas, cessar de borbulhar. Um grande silêncio pairou sobre tudo.
          — Sintam este perfume delicioso! — disse uma das ninfas.
          As outras, erguendo-se nas pontas dos pés, aspiraram a brisa fresca e olorosa que vinha do alto-mar. Nunca as flores daquela ilha haviam produzido um aroma tão penetrante e, ao mesmo tempo, tão discreto; tão doce e, ao mesmo tempo, tão provocante ; tão natural e, ao mesmo tempo, tão sofisticado.
          De repente, do ESPELHO sereno das águas — nunca, até então, o mar tivera aquela lisura perfeita de um grande lago adormecido — começou a elevar-se o corpo de alguém.
          — Vejam, é a cabeça de uma mulher! — gritou uma das ninfas.
          Sim, era uma bela cabeça — a mais bela cabeça feminina que a natureza pudera criar desde que o mundo abandonara a noite trevosa do Caos. Um rosto perfeito: os traços eram arredondados onde a beleza exigia que se arredondassem, aquilinos onde a audácia pedia que se afilassem e simétricos onde a harmonia exigia que se emparelhassem.
          O restante do corpo foi surgindo aos poucos: os ombros lisos e simétricos, os seios perfeitos e idênticos — tão iguais que nem o mais consumado artista saberia dizer qual era o modelo e qual a sua réplica perfeita. Sua cintura, com duas curvas perfeitas e fechadas, parecia talhada para realçar o umbigo perfeito, o qual acomodava delicadamente, como um encantador PINGENTE , uma minúscula e faiscante pérola. E, logo abaixo, um véu triangular — loiro e aveludado véu -, tecido com os mais delicados e dourados fios, agitava-se delicadamente, esbatido pela brisa da manhã. Nenhum humano podia saber ainda o que ele ocultava — seu segredo mais cobiçado, que somente a poucos seria revelado.
          Algumas aves marinhas surgiram, arrastando uma grande concha, a qual depositaram ao lado da deusa — sim, era uma deusa -, para que ela, como em um trono, se assentasse. Um marulhar de peixes saltitantes a cercava, enquanto golfinhos puxavam seu elegante carro aquático até as areias da praia cipriota.
          Nem bem a deusa colocara os pés na ilha, e toda ela verdejou e coloriu-se como nunca antes havia sido. Por onde ela passava, brotavam do próprio solo maços aromáticos de flores multicores, os pássaros todos entoavam um concerto de vozes perfeitamente harmoniosas e os animais quedavam-se sobre a relva com as cabeças pendidas, para receber o afago daquela mão alva e sedosa.
          — Quem é você, mulher mais que perfeita? — perguntou-lhe, finalmente, a ninfa que primeiro recuperara o dom da fala.
          — Sou aquela nascida da espuma do mar e do sêmen divino — respondeu a deusa, com uma voz cristalina e docemente áspera, envolta num hálito que superava em delícia ao de todas as flores que seus pés haviam feito brotar.
          No mesmo dia, a extraordinária notícia do nascimento de criatura tão bela chegou ao Olimpo, e os DEUSES ordenaram que as Horas e as Graças a fossem recepcionar. Ainda mais enfeitada pelas mãos destas caprichosas divindades, apresentou-se a nova deusa diante de seus pares no grandioso salão do Olimpo, sendo imediatamente acolhida e festejada pelos deuses. 
          
          Mas quando todos ainda se perguntavam quem seria, afinal, aquela criatura encantadora, um descuido — seria, mesmo? — pôs fim a todas as indagações. Pois o véu que a envolvia, descendo-lhe até os pés, revelara o que nenhum dos embelezamentos artificiais pudera antes realçar: a sua infinita beleza original.
          — E Vênus, sim, a mais bela das deusas! — disse o coro unânime das vozes.

Um comentário:

  1. Essa mulher parece ser tão perfeiita, na verdade ela é tãoo perfeiita ... difícil acrediitar qe ela exiista ... tão surreal com sua beleza infinita e original ...

    Enfiim, ameii o conto <3

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